Conquistada após a luta de gerações de educadores, com forte participação da CNTE e de seus sindicatos filiados, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB – e o Piso Salarial Nacional do Magistério são até hoje, indiscutivelmente, as principais políticas de valorização da educação pública e de seus profissionais. Foi a utilização dos recursos do FUNDEB e o Piso do Magistério que garantiram melhores infraestruturas nos estabelecimentos escolares e propiciaram aos educadores saírem do grau de miséria que se encontravam, principalmente nas cidades e estados mais pobres de nosso país. À luz dessas afirmações, o presente artigo tenta analisar de forma sucinta e objetiva os impactos e desafios que envolvem a Lei do Piso e o prenúncio do fim do FUNDEB em 2020.

Desde sua implantação, o Piso Salarial Nacional do Magistério é calculado de acordo com a diferença percentual do valor anual mínimo nacional por aluno (VAA) dos dois últimos anos. Esta fórmula tem garantido o índice de reajuste do piso acima da inflação e sofrido várias críticas por parte de prefeitos e governadores que, por sua vez, tentam por uma “pá de cal” nesta importante conquista dos professores (e irão conseguir se não tivermos atentos aos fatos!).

Publicada no dia 13 de dezembro de 2019, a Portaria Interministerial da Educação e da Economia 3/2019 define o valor mínimo nacional por aluno/ano dos anos iniciais do ensino fundamental urbano de 2019 em R$ 3.440,29, em substituição ao valor definido para 2018 de R$ 3.238,52 através da Portaria Interministerial 7/2018. Desta forma, o Piso Salarial Nacional do Magistério, calculado sobre a diferença em percentual dos VAA dos dois últimos anos, deve ser reajustado em 12,84% e ficar no valor de R$ 2.886,15 para 2020.

Vale ressaltar, que ao contrário do que muitos pensam, a Lei do Piso (Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008) apenas regula o valor mínimo no qual um professor da educação básica pública deve receber, sem obrigar estados e municípios a repercutirem o percentual do reajuste do piso em toda a carreira do magistério. Na prática, isso significa que para cumprir o que estabelece a Lei 11.738/2008, basta o governo (federal, estadual ou municipal) pagar R$ 2.886,15 a seus professores, não importando qual titulação acadêmica o mesmo tenha.

Tal limitação da Lei do Piso, ao não repercutir índice de reajuste em toda a carreira docente, pode ser superado através dos Planos de Cargo e Carreira do Magistério em cada ente federado e do poder de luta e mobilização dos professores. Portanto, àqueles que ainda imaginam que a questão do reajuste anual está resolvida através da divulgação do índice de reajuste do Piso Nacional do Magistério pelo MEC, estão redundantemente enganados.

Tendo em vista esta limitação da Lei do Piso, uma vez divulgado o índice de reajuste, a batalha dos educadores para aplicar este percentual em toda a carreira docente somente se inicia e ganha um parâmetro importante, diga-se de passagem, mas apenas um meio ante ao fim que se deseja.

A exposição até aqui pode e deve gerar um questionamento óbvio a qualquer um: ora, se todos concordam que a educação é fundamental no desenvolvimento do país e é quase unanimidade que o professor há de ser valorizado, por que existe resistência de estados e municípios em aplicar o índice de reajuste do Piso? Apesar da tentação de resolver a questão com um simples chavão de que no Brasil não se investe em educação, ou que os políticos simplesmente não querem valorizar os professores (o que não é totalmente irreal), vamos analisar à luz de dois problemas práticos: a questão do financiamento e o conceito de liberdade e autonomia financeira dos entes federados.

É fato que não se pode negligenciar os problemas da limitação e esgotamento do financiamento da educação em todo o país. O FUNDEB, principal fonte de financiamento da educação básica pública no Brasil, já não sustenta em muitos municípios e estados sequer as despesas com salários de professores e demais profissionais da educação, quanto menos conseguem suprir os gastos necessários para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Se isso por se só não fosse agravante, ainda temos o fato de que o FUNDEB só possui vigência até o fim de 2020.

A solução óbvia para esse problema do financiamento certamente é a busca pela garantia de mais recursos para a educação e a aprovação de um Novo FUNDEB, permanente e mais fortalecido, capaz de sustentar os anseios por uma educação pública de qualidade, com seus profissionais valorizados. Todavia, apesar dos sindicatos da educação e chefes do poder executivo de estados e municípios estarem unidos na luta por um Novo FUNDEB, o coro conjunto para por aí.

Muitos governadores, bem como a própria Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), fazem campanha há muito tempo pela mudança na forma de cálculo anual do reajuste, fazendo votos para que o mesmo passe a ser vinculado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Se esta vinculação for efetivada, é o fim do Piso com algum ganho real, visto que o INPC, a grosso modo, reflete apenas o índice de inflação.

Não bastasse o ataque dos chefes dos poderes executivos à forma de cálculo do Piso, tentando o reduzir ao índice inflacionário de produtos e serviços que abrange famílias com rendimentos mensais entre 1 e 5 salários mínimos (INPC), os mesmos ainda defendem a autonomia municipal e estadual na aplicação (ou não) de ganhos reais aos professores. Tais propostas só visam um objetivo: por fim ao Piso Salarial Nacional do Magistério arduamente conquistado através da luta de gerações de educadores em todo Brasil.

Diante destes desafios, só cabe aos professores a difícil missão de resistir e lutar para manter, tanto o que fora historicamente conquistado a título de valorização profissional, quanto a própria manutenção da educação pública como direito do cidadão e ofertada pelo Estado de forma laica e inclusiva. Para isso, é imprescindível lutar pela bandeira do Novo FUNDEB, permanente e com maior aporte financeiro da União, apontando um percentual mínimo deste fundo de investimento ao Magistério e a todos trabalhadores que compõem o corpo escolar, a fim de possibilitar a garantia de valorização destes.

Junto a questão do Novo FUNDEB, é necessário complementar a Lei do Piso, estabelecendo parâmetros mínimos para cada nível de formação do professor, combatendo os chamados “achatamentos nas carreiras” municipais e estaduais, meio pelo qual o ente federado encurta as referências nas tabelas vencimentais, e a “quebra das carreiras”, meio pelo qual o estado ou município, atribui uma tabela vencimental ao professores que detêm somente o nível médio e outra ao nível superior, de forma que o índice de reajuste do piso seja aplicado na primeira e na segunda, somente quando o primeiro nível (ou referência) ficar abaixo do valor do piso.

Em tempos de ataques às organizações coletivas dos trabalhadores (sindicatos, federações e centrais sindicais), da “imbecilização” de pseudopensadores com formação pelas redes sociais e a falsa sensação de que cada indivíduo sozinho é autossuficiente para cobrar seus direitos, o desafio torna-se ainda maior, todavia, necessário, possível e urgente. A busca coletiva pela preservação e melhoria da escola pública, de quem nela trabalha e quem dela necessita, deve ser hoje para garantirmos um amanhã digno e não nos deleitarmos em um mar de remorso pela luta que não travamos.