Fraudes são fáceis de serem realizadas.

Afora os casos que mais saltam aos olhos sobre a manipulação com os alimentos dos estudantes, há que se considerar que uma das formas mais fáceis de fraude está na prestação de contas. Isso se dá por uma contabilidade simples. O Pnae paga em todo o País o valor de R$ 0,22 por aluno matriculado.

Acontece que, ao longo do ano, muitos alunos faltam às aulas, quer por doença, quer — como é comum nas zonas rurais — pela dificuldade de acesso dos alunos às escolas. Mesmo assim, a merenda é elaborada, dia-a-dia, segundo um censo diário feito pela diretora da unidade de ensino ou mesmo pela merendeira, supostamente para se evitar o desperdício. Mas isso não implica em informação de que alguns valores unitários não foram revertidos em alimentos para os alunos. As sobras de dinheiro aumentam até o fim do ano letivo, quando se registra a evasão escolar.

Em 2007, a Secretaria de Educação do Estado pontuou 20 municípios cearenses, com média de abandono próximos acima de 5%. Mas, a prestação de contas com o Pnae é feita pelo número de alunos matriculados, sem considerar as desistências ao fim do ano. São várias as escolas do Interior do Estado que enfrentam a falta da merenda.

Algumas já despertaram o alerta das autoridades para a investigação da fraude, principalmente naquelas onde os procedimentos ilícitos são grosseiros e mal feitos. Além do mau desempenho na Educação, de aproximadamente 70 prefeituras cearenses, segundo nova metodologia de distribuição do ICMS, metodologia adotada pelo governo do Estado, outras 30 prefeituras estavam, até 30 de março, na relação de 895 municípios brasileiros e de nove estados que ficariam sem o repasse financeiro do Pnae do Ministério da Educação.

Falta prestação de contas

A principal crítica em Cariré é o atraso na prestação de contas junto ao Sistema Informatizado do Orçamento Público

Cariré.

Cariré está entre os municípios mais irregulares no fornecimento da merenda escolar para os alunos. Entre a gestão passada e a atual, fica evidente que não apenas os alimentos na escola não tiveram uma importância devida, como a Educação, de modo geral, foi negligenciada. A atual secretária de Educação municipal, Edite Maria Nepomuceno, acusa a gestão passada, do prefeito Leandro Ponte Dias, pelo desmonte no setor Educação.

A principal crítica é com relação ao fato de terem se passado quatro anos, ou seja, a partir de 2005, em que nenhuma prestação de contas tenha chegado ao Sistema Informatizado do Orçamento Público (Siop), mantido no Ministério da Educação, e onde se destina todos os recursos para o setor educacional, inclusive o da merenda escolar. O prazo final para a apresentação dessa documentação era 30 de abri l passado.

Se até aquela data os documentos não fossem encaminhados para o Ministério da Educação, as conseqüências seriam funestas para o município, que tem no setor da Educação uma das principais fontes de captação de recursos federais. Para evitar, dentre outras questões, que as crianças fossem prejudicadas com a falta da merenda escolar no município, a Assessoria Jurídica da Prefeitura estava cogitando entrar com uma ação na Justiça para responsabilizar o gestor anterior pela ausência da prestação de contas e, assim, poder continuar recebendo os investimentos federais. Cariré foi o município cearense mais penalizado com os cortes de repasses do ICMS pelo Governo do Estado do Ceará.

Ao todo, foram cortados 56,8%, para localidade em que a Educação ficou entre a 4ª pior do Estado, de acordo com as provas realizadas no ano de 2008 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb ), o indicador que mede a qualidade da Educação. O ex-prefeito Leandro Ponte (PSDB) reconhece que houve um atraso na prestação de contas, mas isso foi corrigido ainda em abril, embora a informação não tenha chegado à administração atual. Leandro Ponte nega que se aplicou mal em Educação, não obstante a redução no repasse do ICMS. Ressalta, inclusive, que em sua administração nunca houve interrupção no fornecimento da merenda escolar, a qual era adquirida com tomada de preço.

A ex-secretária de Educação, Arlândia Maria Silva, diz que não sabe onde se errou ou onde se deixou de fazer para que o desempenho de Cariré ficasse tão abaixo da média. Contudo, ela assevera que nem na sua gestão a merenda escolar foi tão instável para os estudantes como na atualidade. Um dos distritos que sofreu com a falta de merenda escolar foi o de Altos dos Honór ios, em Cariré, a 218 quilômetros de Fortaleza, em sua única escola municipal.

A explicação é que, além de se ter demorado no processo licitatório, as chuvas fortes caídas desde março inviabilizaram não apenas o acesso dos veículos que transportam mercadorias para aquela localidade, como ainda da própria presença do estudante na sala de aula.

Transporte De fato, a reportagem do Diário do Nordeste acompanhou uma das tentativas de um caminhão da merenda escolar transportar os gêneros alimentícios para os Altos dos Honórios, com uma via de acesso com nome, no mínimo, singula r: Estrada da Caveira. Ao todo, são 18 quilômetros que separam a sede do distrito. A expectativa é que a missão fosse cumprida, após três dias de estiagem e pelo despontar do sol no horizonte. Ledo engano. A lama tomava conta de vários trechos da via carroçal. Águas de açudes empoçavam muito além das passagens molhadas, acenando o quanto foi árduo o esforço de fazer chegar os alimentos para os alunos da zona rural. Nove quilômetros percorridos e a viagem já se revelava frustrante. O veículo atola numa mistura de lama e massapê e somente é possível a sua retirada com o uso de trator. O motorista, de nome Roberto, não esconde seu desalento. Por ele, a viagem continuaria, mas é impossível sair do lugar onde as rodas traseiras do caminhão ficam presas quase na totalidade no atoleiro. Enfim, os estudantes tiveram que esperar mais dias sem os alimentos para a merenda, até que a estrada voltasse a oferecer condições de tráfego. A carga de gêneros não p erecíveis voltou a ser descarregada e guardada no almoxarifado da Prefeitura Municipal. Já no fim de abril, mais uma tentativa de se levar a merenda para o Alto dos Honórios foi malograda. Segundos funcionários da Prefeitura local, até então nunca foi difícil fazer esse transporte. Roberto diz que todo o empenho se faz necessário, em função do desespero das comunidades pelo fato de estarem ilhadas. “Não adianta levar em caminhão. Chegamos a uma situação que somente podemos levar alimentos ou socorro por meio de helicóptero”.

FONTE: Com informações do diário do nordeste – dia 17 de julho de 2009.