A CNTE, legítima representante de aproximadamente 4,5 milhões de trabalhadores das escolas públicas brasileiras, entre docentes, pedagogos/especialistas e funcionários da educação, ativos e aposentados, efetivos ou contratados a qualquer título, REPUDIA, veementemente, a nota divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios, no dia 27/01/2022, logo após o anúncio oficial do Ministério da Educação – tal como ocorre desde 2010 – sobre o novo valor do piso salarial nacional do magistério, válido a partir de 1º de janeiro de 2022, conforme determina a Lei 11.738.

Para este ano, o piso é de R$ 3.845,63 e deve ser pago como vencimento inicial das carreiras de magistério aos/às professores/as com formação de nível médio na modalidade Normal, em todas as redes públicas de educação básica. Docentes com nível superior devem receber valores acima do piso, a serem estabelecidos nos planos de carreira, cargos e salários de cada ente federado.

Os disparates da referida nota da CNM só não são maiores que os crimes cometidos pelo presidente da entidade, que a assina. E a CNTE formalizará denúncia ao Ministério Público para que as condutas do dirigente e da entidade sejam devidamente apuradas. Caso haja omissão ou demora do MP, ou não havendo retratação da CNM e de seu dirigente em relação à referida nota, a própria CNTE acionará a justiça. Há tempos que o destempero, o revanchismo e a irresponsabilidade tomaram conta dessa entidade municipalista, que age frequentemente FORA DOS LIMITES DA LEI.

Também se faz importante informar às Prefeituras associadas à CNM, ou a qualquer gestor que se enveredar em seguir as orientações contralegens dessa Confederação, que a CNTE, seus sindicatos filiados, ou outros sindicatos que solicitarem ajuda à CNTE não se furtarão em defender o reajuste do piso através de greves ou acionando a justiça para garantir os direitos previstos em lei.

Importante lembrar que antes do episódio do reajuste do piso, a CNM havia (des)orientado os gestores municipais a não fazerem o rateio das sobras do FUNDEB de 2021, por achar, casuística e unilateralmente, que a Lei 14.276 deveria retroceder a janeiro de 2021, a fim de comportar os profissionais incluídos pela nova legislação na subvinculação dos 70% do FUNDEB. Erro crasso! A CNTE tinha chamado a atenção à época para o efeito prospectivo da Lei 14.276, e na sequência a 

Procuradoria da República confirmou a não retroatividade. Esse encaminhamento equivocado da CNM deixou vários gestores em risco de inelegibilidade, inclusive podendo seus municípios sofrer bloqueios de recursos ou até mesmo intervenção. E agora, uma vez mais, a CNM erra nas orientações aos gestores municipais sobre o reajuste do piso do magistério!

Quanto aos argumentos da nota da CNM em relação ao piso, merecem destaque e resposta, os seguintes:

i. Cita que o reajuste gerou grave insegurança jurídica, sobretudo pela perda dos efeitos da Lei 11.494 para atualizar o piso (sic). Porém, não há nenhuma norma ou decisão judicial decretando o fim dos efeitos do valor aluno ano do ensino fundamental urbano (hoje VAAF) para reajustar o piso. O critério que constava na Lei 11.494 é idêntico ao que está na Lei 14.113! Então, com base em que a entidade assevera esse absurdo? Por acaso leram o “Posicionamento contra a Nota de Esclarecimento divulgada pelo MEC, em 14/01/22, acerca do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério Público da Educação Básica1”, emitido pelas Comissões de Educação e de Cultura da Câmara dos Deputados? Trata-se de nota produzida pela Consultoria Técnica da Câmara dos Deputados, a mesma que ajudou a formular a EC 108 e a Lei 14.113, e que poderá ser ouvida em juízo caso a Lei seja judicializada NOVAMENTE. Ademais, o que explica a CNM ter concordado com o reajuste zero (0%) do piso, no ano de 2021, quando o MEC aplicou a mesma interpretação da Lei 11.738, já durante a vigência da EC 108 e da Lei 14.113, e agora contrapor-se a vigência da Lei do Piso? Por outro lado, a CNM atuou fortemente no Congresso Nacional para alterar a Lei 11.738, durante todo o ano de 2021, mas não conseguiu os votos necessários. Sempre entendeu que a lei era vigente, até não conseguir emplacar a aprovação do PL 3.776/08, que desde 2008 tenta vincular o reajuste do piso ao INPC/IBGE. E mesmo que o projeto seja aprovado no retorno dos trabalhos legislativos, a partir desta semana, o novo critério de reajuste só poderia ser aplicado no próximo ano! Portanto, não resta outro caminho a não ser cumprir o reajuste de 33,24%.

ii. Questiona o ato de anúncio do reajuste, que desde 2010, com exceção de 2018, se dá por meio de divulgação de nota no site do Ministério da Educação, conforme ocorreu no último dia 27.01.2022. Uma simples pesquisa na Internet permite ter acesso a todas as notas dos reajustes anteriores. Quanto ao critério de aplicação do parágrafo único do art. 5º da Lei do Piso, o mesmo foi estabelecido em 2010 pela Advocacia-Geral da União e julgado aplicável na ADI 4848 (item 3 do acórdão de plenário2).

iii. Alega que o reajuste divulgado pelo MEC atende a interesses políticos e eleitoreiros do governo federal, omitindo o fato de que o Executivo atuou quase em conluio com a própria CNM para editar medida provisória com percentual de reajuste abaixo do IPCA. Chegou até a propalar a existência de parecer da Consultoria do MEC, o qual dizia orientar, supostamente, a revogação de parte da Lei 11.738. Porém, quando cobrados a publicizar o tal parecer – atendendo ao Princípio da Publicidade (art. 37 da CF), nem o MEC e nem a AGU conseguiram apresentá-lo, talvez por nunca existir de fato. Tudo indica que foi blefe! E a pressão da categoria, de congressistas e de entidades que atuam na educação básica fez o Governo RECUAR e RECONHECER a plena vigência da Lei 11.738, conforme ficou demonstrado na nota técnica das Comissões de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. O piso do magistério e seu critério de reajuste anual – reiteradamente combatidos por gestores estaduais e municipais – são POLÍTICAS DE ESTADO E INDEPENDEM DE GOVERNOS DE PLANTÃO!

iv. As contas apresentadas pela CNM sobre um suposto rombo de R$ 30 bilhões aos cofres municipais em função do reajuste de 33,24% ao magistério não têm base empírica e metodológica. Beiram ao ridículo! A entidade deveria se preocupar em garantir o cumprimento da legislação em todas as administrações. Em 2019, mais de ¼ (um quarto) das municipalidades descumpriram o piso como vencimento de carreira3 – e não foi por falta de recursos! Se fosse isso poderiam ter recorrido ao MEC, assim como agora. O art. 4º da Lei 11.738 também se mantém vigente! E a Emenda 95 excetuou o FUNDEB do teto de gastos! Que fique claro: NUNCA faltarão recursos para cumprir o piso!

v. Ainda sobre as contas, o FUNDEB 2022, em nível dos estados, tem previsão conservadora de crescimento de mais de 10% (passando de 207,7 bilhões em 2021 para 225,8 bilhões). Já as complementações federais (VAAF e VAAT) aumentarão – com previsão igualmente tímida – cerca de 34,6% de 2021 para 2022, próximo a 33 bilhões. Sabedores de que o reajuste do piso do magistério não tem sido respeitado nas carreiras em praticamente todo o país, perguntamos como é que o percentual de 33,24% (menor que a previsão de crescimento das complementações da União ao FUNDEB) poderá quebrar os municípios? Além dos recursos ordinários do FUNDEB (225,8 bilhões, mais 32,7 bilhões do VAAF e VAAT), há o excedente de 5% dos impostos que compõem a cesta do FUNDEB e outros 25% de tributos municipais que não integram o Fundo (IPTU, ISS, ITBI), mas que devem ser contabilizados para a educação e, consequentemente, para a remuneração do magistério e demais trabalhadores da educação. Pior: a conta da CNM inclui no reajuste servidores que já recebem acima do piso e que têm sido penalizados há anos com o congelamento de seus vencimentos!

vi. Quando dizemos que as previsões de receitas para o FUNDEB 2022 estão subdimensionadas, é porque a estimativa de inflação para o ano continua alta, especialmente nos setores de combustíveis, energia elétrica, alimentos e outros que impactam fortemente o ICMS – principal imposto de financiamento do FUNDEB. E subindo o ICMS, sobe, além das receitas internas do Fundo, também a complementação federal, sendo que as revisões de receitas serão feitas a cada quadrimestre. Adicione a isso, o fato de os municípios terem recebido no final de 2021 a verba extra de 1% do FPM, que totalizou mais de 5,5 bilhões aos cofres das prefeituras, já descontado o repasse ao FUNDEB que é feito na fonte pela Secretaria do Tesouro Nacional. Dessa quantia depositada, 5% pertencem à educação!

Toda a celeuma sobre o piso do magistério não é nova e remonta os tempos do Império. Em 15 de outubro de 1827, Dom Pedro I criou o primeiro piso para os professores. Ele não foi cumprido! Dizia a lei4 em seu art. 3º:

Art. 3º Os presidentes, em Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos Professores, regulando-os de 200$000 a 500$000 anuais, com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares, e o farão presente a Assembléia Geral para a aprovação.

Ou seja, até o “Dia do/a Professor/a” no Brasil é marcado pela negação de direitos. Mas a luta dos/as trabalhadores em educação hoje é mais organizada e potente. E não deixaremos surrupiar nossas conquistas! Pelo contrário, a pauta da CNTE e de suas afiliadas é para superar a pressão dos gestores em transformar o piso em teto salarial, desconsiderando a valorização da carreira; é pela ampliação de concursos públicos para efetivar os profissionais e mantê-los vinculados a uma só escola (em mais de 30% dos municípios do país o magistério é contratado de forma precária, segundo o relatório de acompanhamento das metas do PNE); e é para profissionalizar e valorizar com piso e carreira todos os trabalhadores da educação. No caso do magistério, especificamente, a remuneração média desses profissionais continua abaixo da dos demais profissionais com mesmo nível de escolaridade (meta 17 do PNE) e se mantém há décadas entre as últimas colocações entre os países pesquisados pela OCDE (pesquisa Education at a Glance).

A CNTE se pauta em construir alianças com todos que verdadeiramente desejam promover a qualidade da educação pública e a valorização de seus profissionais. E caso a CNM tenha a intenção de abrir um canal de diálogo com a nossa entidade, a fim de buscar alternativas para os diversos temas da área – a exemplo dos sucessivos cortes no orçamento federal que atingem a educação básica, ou sobre o equilíbrio entre piso e carreira para o magistério e demais profissionais –, estamos de portas abertas. O que não podemos é aceitar ataques desmedidos contra nossas conquistas.

Brasília, 31 de janeiro de 2022
Diretoria da CNTE

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