Num movimento novo, o Brasil começa a reconhecer -com diplomas- o conhecimento que as pessoas adquirem no dia a dia, fora da sala de aula. Há três iniciativas.

Neste ano, ao se inscreverem no Enem (Exame Nacional do ensino médio), os estudantes puderam solicitar que a prova lhes confira o certificado do ensino médio.

 

Quem não concluiu ou nem sequer iniciou o ensino médio, se tirar uma nota mínima na prova federal, receberá o diploma Escolar.

As outras duas iniciativas estão no ensino profissional.

Os ministérios da Educação e do Trabalho acabam de criar a Rede Certific, que emitirá certificados para trabalhadores como pedreiros, eletricistas e garçons.

Em São Paulo, o Centro Paula Souza, que reúne as Escolas técnicas paulistas, há dois anos certifica saberes em áreas como mecânica, eletrônica e alimentos.

MERCADO EXIGENTE

Nos três casos, o objetivo é elevar a Escolaridade ou a qualificação de adultos que estão há anos afastados dos bancos Escolares e agora sentem a pressão do mercado.

Na disputa por trabalho, quem tem certificado do ensino médio leva vantagem sobre quem tem o do fundamental. O mecânico com diploma técnico vence o colega que aprendeu numa oficina.

Na Rede Certific e no Centro Paula Souza, o trabalhador se submete a provas teóricas e práticas para comprovar que tem condições plenas de receber o diploma.

Se não tiver, a nota obtida dirá quais disciplinas ele cursará para suprir deficiências. Aprenderá na aula coisas que o dia a dia não ensina. O certificado virá depois disso.

Esse modelo é vantajoso para quem pensa em voltar a estudar. Primeiro, porque não passa pelo curso completo, desde o bê-á-bá. Em vez dos 24 meses do curso técnico, estuda 12 ou 18.

Depois, não precisa prestar vestibulinho para ingressar. Nos vestibulinhos, os adultos ficam em desvantagem diante de jovens que acabaram de sair do colégio.

NA LEI DESDE 1996

Por ora, a experiência paulista está restrita a uma Escola de Sorocaba. E a federal, a 37Escolas de 15 Estados. Os programas serão ampliados. Em ambos os casos, os cursos são gratuitos.

Antes do Enem, o extinto exame Encceja conferia o diploma de ensino médio. O Encceja, porém, exigia conhecimento puramente Escolar. O Enem prioriza o raciocínio, e não a decoreba.

Especialistas veem com bons olhos a certificação de saberes pelo poder público, prevista em lei desde 1996. Isso, até agora, era feito apenas por entidades privadas.

“Demorou porque ainda há no país uma cultura elitista em relação ao que seriam os saberes nobres. Os saberes não acadêmicos estão fora desse grupo”, diz a professora Daisy Cunha, da UFMG.

Há críticas. Para Remi Castioni, da UnB, o governo deve definir com empresários e trabalhadores os ofícios certificáveis: “Não pode ser descolado do mundo real”.

Em relação ao Enem, Castioni diz que, no lugar de utilizá-lo como diploma, os governos devem tornar o ensino médio e a EJA (supletivo) atraentes -para que ninguém seja tentado a trocar os estudos por uma prova.

A pró-reitora de graduação da UFMG, Antônia Vitória Aranha, afirma que o Enem como diploma não foi debatido com as universidades.

“É preocupante o Enem ter tantos papéis: avaliação do ensino médio, seleção para universidades e agora certificação Escolar. Pode acabar não cumprindo a contento nenhum deles.”

Fonte: Folha de S. Paulo (SP) – 30 de agosto de 2010