Na escola Lireda Facó, no Bom Jardim, há falta de professores por causa da violência no bairro (MAURI MELO)

Comunidades do Jangurussu e Ancuri foram as primeiras a denunciar a falta de professores, problema persiste

Quando as denúncias sobre a falta de professores nas escolas da rede municipal de Fortaleza começaram a aparecer em 2010, a Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri (Reajan) já conhecia o problema. Os integrantes da rede visitaram 18 escolas da região em setembro do ano passado.

Todas elas estavam com professores em falta. Após a última convocação, novo levantamento foi feito, no início de novembro, apontando que, apesar de parte do problema ter sido resolvido, ainda havia 55 turmas sem professor de português, matemática, geografia e ciências.

Depois de conversar com representantes da Prefeitura, Valzenir Santos, da Reajan, recebeu uma explicação para a região continuar uma das mais sensíveis à falta de professores: “O que eles alegam é que os professores concursados não querem vir para essas áreas por essa história da violência”. Na Escola Vereador Barros de Alencar, no Ancuri, a diretora Ana Lúcia Alves Silva acredita que professores não querem ser lotados por apreensão. Para ela, é uma consequência da falta de proximidade dos professores em formação com o “mundo real”. “Não existe conto de fadas na educação. Estamos com carência de professores e de pessoas com vocação”.

Joana D’Arc da Silva, 49, é mãe de um estudante de 15 anos na Vereador Barros de Alencar. “Hoje ele só teve aula até as 8h30min”, testemunhava na última quarta-feira. O adolescente cursa o 8º ano do ensino fundamental e atualmente está sem aulas de inglês, história e literatura, segundo a mãe. Na Escola Municipal Lireda Facó, no Bom Jardim, a diretora Rosa Malena Rodrigues, também acredita que trabalhar no local “assusta um pouco”, dificultando as lotações. A questão não é a unidade escolar em si. “É preciso mais segurança no próprio bairro”.

O POVO questionou a Secretaria Municipal de Educação (SME) sobre o nível de escolha que os professores podem ter sobre o local de lotação. De acordo com a assessora de gestão do órgão, Tereza Cristina, o processo privilegia lotar o professor perto de casa. “No entanto, é importante destacar que quando o professor participa do concurso, ele deverá ficar disponível para todo o Sistema Municipal de Ensino.”

Em entrevista ao O POVO de 17 de setembro de 2010, a secretária municipal da Educação, Ana Maria Fontenele, admitiu que a violência é um entrave para que os professores assumam as vagas. “Eles questionam o local da lotação. Se você tem um grande problema de segurança no Conjunto São Miguel, por exemplo, sai uma notícia, a pessoa não assume”, declarou.

Valzenir vê na falta de professores uma outra forma de violência. “É a a violação do direito de o estudante ter quatro horas de aula, que ele não tem”. Para ela, uma solução seria apresentar o professor à comunidade, aos pais. “Se dizem que aqui é violento mas não mostram o porquê da violência, o professor acaba nem chegando na sala de aula. (Se ele vier), aí sim a gente vai saber se ele enfrenta esse desafio ou não”.

O quê

 ENTENDA A NOTÍCIA Apesar de a escola em si não ser reconhecida como um ambiente violento, unidades de ensino em bairros de alta criminalidade sofrem mais com a falta de professores. A distância e a dificuldade de acesso também são fatores para afastar os docentes.

SAIBA MAIS

Para algumas áreas do conhecimento, os professores são escassos em todo o Brasil, como matemática e ciências.

Em inglês, religião e artes, áreas contempladas em concurso para professores na rede municipal, não há mais profissionais para serem convocados.

Na área de artes, por exemplo, até os cursos de formação são raros. Há apenas um curso em Fortaleza dá essa habilitação, o de Licenciatura em Artes Visuais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).

Segundo a coordenadora, Maria das Dores Nascimento Dantas, ainda não há, no entanto, pessoas formadas pelo curso.

Ela explica que existia uma graduação tecnológica na área, mas o Ministério da Educação orientou o IFCE a transformar a formação numa licenciatura, justamente pela necessidade nas escolas.

ENTENDA O CASO

14 de setembro de 2010 – O POVO mostrou o exemplo da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental(Emeif) Diogo Vital de Siqueira, no José Walter, onde faltava professores há cinco meses para algumas matérias.

15 de setembro de 2010 – O POVO conversou com diretores e funcionários de 60 escolas, dez em cada Regional de Fortaleza, e verificou que em pelo menos 33 delas estava faltando professor para alguma matéria ou turma. O POVO também contou a história da menina Deisy Herle de Sousa, 11, que sonhava em ser bióloga, mas só tinha tido uma aula de ciências desde o início do ano letivo, em abril.

16 de setembro de 2010 – Depois de o Cedeca ter apresentado lista ao MPE com sete escolas sem professores na SER VI, o MPE iniciou um processo administrativo para notificar e convocar representantes da SME para uma audiência em resposta à falta de professores.

17 de setembro de 2010 – A Secretaria Municipal de Educação (SME) lança a chamada de 548 professores do cadastro reserva do último concurso para efetivos. A titular do órgão, Ana Maria Fontenele, garantiu em entrevista exclusiva ao O POVO o fim da carência de docentes. “O que eu posso garantir como secretária de educação é que todas as aulas vão ser repostas. O direito das crianças e dos adolescentes aos 200 dias letivos no ano é a minha garantia”, afirmou.

17 de janeiro de 2011 – O POVO registra que ainda há carência de professores em algumas escolas, principalmente na SER VI.

Veículo: O Povo Editoria: Fortaleza Data: 18/01/2011
Larissa Lima
larissalima@opovo.com.br